Irene Lima, violoncelo
Marta Menezes, piano
Programa:
Ludwig van Beethoven, Sonata para Violoncelo e Piano nº 3 em Lá maior, Op. 69
Robert Schumann, Fantasiestücke, Op.73
Luís de Freitas Branco, Sonata para Violoncelo e Piano
Sinopse:
Nas suas duas primeiras sonatas para violoncelo e piano, obras de juventude, Beethoven tinha destinado um papel virtuoso ao piano e uma figura de mero acompanhamento ao violoncelo, potenciando a sua execução por músicos não profissionais e sendo mesmo dedicadas a Frederico Guilherme II da Prússia, ele próprio um violoncelista amador.
Já com a terceira sonata, composta dez anos depois, Beethoven passou a dividir as tarefas de forma igual, cabendo tanto a pianista como violoncelista um lugar importante e desafiador na partitura, estabelecendo assim o modelo a partir do qual todas as subsequentes sonatas para violoncelo e piano, - suas e de outros - se vão reger durante mais de cem anos.
Apesar do carácter sereno e jovial da sonata, Beethoven inscreveu no manuscrito do primeiro andamento a enigmática frase “inter lacrymas et luctus”, ou entre lágrimas e luto, levando a crer que, apesar de atravessar um momento pessoal difícil, verteu para o papel o melhor do seu génio e da sua bondade.
A estrutura em três andamentos é perfeitamente clássica, abrindo com uma introdução lenta a que se seguem três andamentos em sucessão rápido - lento - rápido.
Em apenas dois dias em fevereiro de 1849, um período extraordinariamente produtivo para o compositor, Robert Schumann compõe as suas Fantasiestücke, ou Peças fantasiosas, originalmente concebidas para clarinete e piano mas com a indicação do próprio compositor de que também podem ser tocadas em versões de violino e piano ou violoncelo e piano, esta última a mais popular entre as duas alternativas.
O facto de que no catálogo de Schumann existem inúmeras composições intituladas Fantasie ou Fantasiestücke situa-nos em pleno período romântico, quando a poesia, a narrativa e as imagens extramusicais criativas e fantasiosas mais inspiram os compositores.
Cada uma das três peças tem um carácter marcadamente diferente, sendo todas pautadas por uma irresistível beleza, seja na melancolia da melodia do primeiro andamento, o carácter sonhador do segundo, ou o entusiasmo positivo do terceiro.
É fácil compreender porque é que estas três peças, tão simples, mas ao mesmo tempo tão bonitas, são um favorito de intérpretes e ouvintes de todo o mundo há mais de século e meio, servindo como testemunho do génio intemporal do compositor que foi Robert Schumann.
Composta em 1913, a Sonata para Violoncelo de Freitas Branco é uma obra única no seu catálogo, escrita sob grande influência das correntes estilísticas francesas, nomeadamente César Franck e Claude Debussy. Porém, é também inegável a autenticidade de Freitas Branco e a sua veia fundamentalmente melódica, aqui vertendo belas melodias umas atrás das outras, num estilo que era certamente mais acessível ao público português do que algumas das suas partituras anteriores, votadas à incompreensão pelo seu excessivo modernismo ou inovação.
Na Sonata para Violoncelo, o compositor cimenta-se numa forma clássica, adotando a forma sinfónica em quatro movimentos, ao invés do formato camerístico que teria apenas três, onde um particular destaque é o segundo andamento, onde o compositor concilia de forma magistral diferentes estados de espírito, manobrando uma notável capacidade de ora hesitar, ora entusiasmar.
O próprio Freitas Branco veio a considerar esta Sonata como uma das suas melhores composições. Tendo sido estreada pelo pianista Aroldo Silva e pela violoncelista Júlia Fontes Pereira de Melo, o compositor viria a escrever, apenas três anos depois, a sua Cena Lírica para violoncelo e orquestra especificamente para a mesma intérprete.
Sobre as artistas:
Irene Lima
Natural de Lisboa, iniciou os estudos musicais com Adriana de Vecchi e Fernando Costa na Fundação Musical dos Amigos das Crianças. Estudou em Paris com Claude Maindive, André Navarra e Philippe Muller.
Apresentou‐se a solo com orquestra e em formações de câmara em vários países, como Espanha, França, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Itália, Brasil e China. É de referir a sua atuação com a Orquestra Sinfónica da RTL, com a qual executou o Concerto de Câmara com Violoncelo obligato, de Fernando Lopes‐Graça, que lhe valeu elogiosa crítica, assim como atuações a solo com a Orquestra Sinfónica de Macau e a Sinfonia Varsóvia, entre outras.
Gravou para a EMI‐Classics a Sonata para Violoncelo e Piano, de Luís de Freitas Branco com João Paulo Santos e um disco com obras de Vivaldi, Boccherini e Bréval.
Foi Primeiro Violoncelo da Orquestra Sinfónica Portuguesa desde a fundação desta orquestra, tendo ocupado igualmente esta posição na Orquestra do Teatro Real de Liège e na Orquestra do Teatro Nacional de São Carlos.
Lecionou Música de Câmara na Escola Superior de Música de Lisboa entre 2000 e 2024.
Apresenta‐se regularmente em diversos festivais internacionais e temporadas de concertos, como o Festival Internacional Europamusica em Itália, ou a Festa da Música / Dias da Música no CCB, e com pianistas como Adriano Jordão, Artur Pizarro, Bruno Canino, Eduardo Jordão, Jorge Moyano, Tânia Achot, Roberto Arosio, Sónia Rubinsky e Olga Prats.
Filipe de Sousa, Alexandre Delgado, Alejandro Erlich Oliva e Diego Kovadloff dedicaram‐lhe obras para violoncelo e é membro fundador do Quarteto Vianna da Motta com o qual gravou os dois quartetos de cordas deste compositor.
Marta Menezes
Marta Menezes é uma das pianistas portuguesas mais destacadas da sua geração e os seus recitais exploram o diálogo entre tradição e originalidade, através de propostas que realçam a nuance, a subtileza e a sensibilidade musical características da sua interpretação.
O seu repertório, que evidencia uma afinidade com Beethoven, vai do barroco à atualidade e integra com frequência obras de compositores menos conhecidos, muitos deles portugueses.
Das suas colaborações recentes destacam-se os concertos com a Orquestra Metropolitana de Lisboa, Orquestra Nacional de Espanha, Orquestra Sinfónica da Rádio Televisão Espanhola, Orquesta de València, Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música e Orquestra Clássica da Madeira. Trabalhou com maestros como Pedro Neves, Nuno Coelho, Jaime Martín, Karel Mark Chichon, Pedro Amaral, Rui Pinheiro, Jan Wierzba e Martim Sousa Tavares.
Tem-se apresentado em auditórios e festivais por todo o mundo, como o Centro Nacional de Artes Performativas de Pequim, St. Martin-in-the-Fields em Londres, Festiwal Urodzinowy Fryderyka Chopina de Varsóvia, Auditório o Palau de les Arts de Valência, Fundación Juan March em Madrid e Centro Cultural de Belém.
Marta Menezes tem um papel ativo na divulgação da música portuguesa, através da interpretação deste repertório nos seus concertos e da encomenda e estreia de obras de compositores contemporâneos. Dos projetos que criou recentemente destaca-se "5 Encores para Beethoven", no qual apresentou os 5 Concertos para Piano do compositor e fez a estreia absoluta de 5 encores aos Concertos, encomendados a compositores da sua geração. Destaca-se também a estreia mundial do Concerto para Piano de Tiago Derriça (2023), que lhe é dedicado.
Marta Menezes fez a licenciatura e messtrado em piano na Escola Superior de Música de Lisboa com Miguel Henriques, tendo também trabalhado com Jorge Moyano. Terminou o seu Mestrado com classificação máxima e prosseguiu os seus estudos em Londres, no Royal College of Music, com Andrew Ball e Dmitri Alexeev e, mais tarde, nos Estados Unidos, com Arnaldo Cohen. É doutorada pela Universidade de Indiana – Jacobs School of Music.
Ao longo do seu percurso ganhou vários prémios e distinções, dos quais se destacam o 1º lugar no Concurso Beethoven no Royal College of Music e no Concurso Internacional de Piano de Nice Côte D'Azur, a Medalha de Prata de Valor e Distinção pelo seu percurso enquanto pianista, atribuída pelo Instituto Politécnico de Lisboa, e a Medalha de Prata nos Global Music Awards (Estados Unidos) pelo seu CD com obras de Beethoven e Lopes-Graça, nas categorias de Piano Clássico e Artista Emergente.
Marta Menezes reside atualmente em Madrid.